por Márcio Augusto Araújo*
Um dos mercados de maior potencial neste século é o de produtos ecológicos voltados ao consumidor final. Sem deixar nada a desejar aos outros dois grandes nichos do século –a informática e a biotecnologia-, esse é um mercado ainda pouco ou quase nada explorado no Brasil e América do Sul, embora já seja uma realidade na União Européia e Oceania (Austrália e Nova Zelândia), onde a força e consciência ambiental dos consumidores já fazem parte da cidadania daqueles povos.
No Brasil, quando se fala em produto ecológico, quase sempre vem à mente a idéia de artefatos elaborados artesanalmente com matériasprimas naturais ou, em âmbito empresarial, de equipamentos e sistemas para controle de emissão de poluentes, tratamento de efluentes e resíduos industriais. Para o consumidor final, contudo, o conhecimento do que seja um produto ecológico comercial para seu uso ainda é algo
distante.
Produto ecológico é todo artigo que, artesanal, manufaturado ou industrializado, de uso pessoal, alimentar, residencial, comercial, agrícola e industrial, seja não-poluente, não-tóxico, notadamente benéfico ao meio ambiente e à saúde, contribuindo para o desenvolvimento de um modelo econômico e social sustentável.
Exemplos
O uso de matérias-primas naturais renováveis, obtidas de maneira sustentável ou por biotecnologia não-transgênica, bem como a reciclagem de matérias-primas sintéticas por processos tecnológicos limpos (sem a emissão de poluentes e sem o uso de insumos agressivos) permitem classificar um produto a partir de critérios ambientais. Para exemplificar, alimentos orgânicos são produtos ecológicos, como também o são roupas de algodão orgânico, de juta (fibra vegetal) e couro vegetal (emborrachado de látex imitando o couro); cosméticos não-testados em animais; produtos de limpeza biológicos, inseticidas biológicos, roupas de PET reciclado ou de hemp industrial, adesivos à base de óleos vegetais, tintas à base de silicato de potássio ou caseína de leite, plásticos biodegradáveis, chapas de plástico reciclado, telhas recicladas, combustível vegetal (biodiesel), biogás, tijolos de solo-cimento e muito outros, que podem ser incorporados ao cotidiano de qualquer cidadão.
Equipamentos energeticamente eficientes, não-poluentes, que utilizem tecnologias limpas ou renováveis (como sistemas de energia eólica, solar, para conversão de biomassa em energia e microusinas) também são sustentáveis, uma vez que são capazes de atender a demanda por energia, sem esgotar os recursos naturais ou alterar drasticamente a geografia dos ecossistemas.
Por uma política econômica verde
A proposta do IDHEA – Instituto para o Desenvolvimento da Habitação Ecológica ao mercado brasileiro é o desenvolvimento e a fabricação de ecoprodutos em larga escala voltados ao consumidor final, como forma de colocar em prática o desenvolvimento sustentável e reverter o quadro de devastação ambiental e de esgotamento dos recursos naturais, que ocorrem para atender à demanda das sociedades urbanas.
O produto ecológico é capaz de despertar a consciência eco-social da comunidade e educar
ambientalmente quem o produz e quem o consome. O Brasil é o país mais rico do mundo em matériasprimas naturais renováveis (mais de 20% da biodiversidade planetária), tem um lixo abundante e ainda pouco aproveitado (245 mil toneladas/dia), além de milhões de toneladas de residuos agrícolas e industriais sem qualquer uso. Em suma, o país reúne todas as condições para ser um verdadeiro celeiro de ecoprodutos e materiais reciclados, gerando emprego e levando cidadania a milhões de pessoas, tornando-se um modelo de sustentabilidade para outras nações. Tecnologia, know-how e criatividade não faltam para isso.
Com incentivos e política adequada, esses produtos poderiam ser exportados para mercados ávidos por artigos verdes como o europeu, australiano e muitos outros. Hoje, artigos brasileiros já são exportados para a Europa, assim como ecoprodutos alimentícios, casos da soja e açaí orgânicos. Organismos governamentais divulgaram a cifra de US$ 6 bilhões anuais movimentados na Europa apenas com produtos orgânicos. Com uma política específica para o mercado verde brasileiro, o país poderia tornar-se um pólo de indústrias verdes ou sustentáveis, tornando-se exportador de bens de consumo, gerando divisas, emprego e renda de forma inteligente, já que seriam retiradas milhões de toneladas de resíduos que contaminam o meio ambiente, roubam espaço e agridem a saúde dos seres vivos.
Se, ao invés de estimular indústrias poluentes como a automobilística movida a petróleo, que recebe milhões em incentivos de toda ordem, houvesse uma política de crédito e ICMS verde, de apoio a projetos comunitários, micro e pequenos empreendimentos, o Brasil poderia contar, em pouco tempo, com um parque industrial sustentável inédito, rompendo a mofina dependência tecnológica que escraviza as nações em desenvolvimento.
Mercado interno
O próprio mercado interno brasileiro dispõe de consideráveis nichos de consumo e poder aquisitivo para ecoprodutos, como nas áreas de energia elétrica -com o uso de fontes geradoras de energia limpa, como a solar e eólica. O Brasil só conta com uma indústria nacional fabricante de painéis solares fotovoltaicos.
Outro segmento que conta com potencial imenso é o da construção civil, capaz de absorver inúmeras inovações e resíduos disponíveis na forma de novos materiais (escórias, resíduos agrícolas).
Outra área de imenso potencial para o crescimento de empresas com produtos sustentáveis é a de saneamento. O Censo do IBGE 2002 mostrou que cerca de 50% dos municípios brasileiros não possuem tratamento de água e esgoto. Essa necessidade poderia ser atendida pelo setor privado através do fornecimento de mini-estações de tratamento, que, além de resolverem um dos principais problemas da saúde pública no Brasil (70% das enfermidades têm origem em água e esgoto não tratados), permitiriam
que a água fosse reutilizada no próprio local, reduzindo gastos com grandes estações de tratamento (ETEs) e gerando grande economia para moradores e municípios, contribuindo, também, para a descontaminação de corpos dágua e lençóis freáticos. Haveria economia de impostos, gastos com obras e seria uma ação educativa, ensinando à população o valor de tratar a água e reusá-la no próprio local.
Para garantir que as empresas privadas oferecessem equipamentos, produtos e serviços de qualidade, o poder público poderia criar agências reguladoras com perfil técnico para impedir abusos e garantir qualidade de conformidade com as normas que regeriam o setor.
Identificação e classificação dos ecoprodutos
O conceito de produto ecológico ou ecoproduto ainda é uma nebulosa para a maior parte dos consumidores brasileiros. Como evidenciar que um produto é realmente ecológico ou que é mais ou menos ecológico do que outro? Como saber que não se está "comprando gato por lebre"?
A forma mais segura de identificação para o consumidor é a partir dos Selos Verdes, como os que já existem na União Européia, Japão, Estados Unidos, Austrália e mesmo em países vizinhos como a Colômbia, que já conta com política oficial nesse sentido. O Selo Verde não é apenas uma logomarca ou um rótulo com a palavra "ecológico" na embalagem de um produto, mas o resultado de uma avaliação técnica criteriosa, na qual serão levados em conta aspectos pertinentes ao seu ciclo de vida, como matérias-primas (natureza e obtenção), insumos, processo produtivo (gastos de energia, emissão de poluentes, uso de agua), usos e descarte. No Brasil, os selos verdes existentes só atingem dois segmentos: produtos orgânicos (alimentícios) e madeira.
Um artigo publicado recentemente em uma revista especializada na Espanha analisa o seguinte: (...) "as pseudo-etiquetas ecológicas começaram a aflorar há alguns anos, quando muitos fabricantes viram a possibilidade do negócio verde. Marcas como 'amigo do ozônio' podiam ser lidas em muitos dos produtos que se encontravam nas prateleiras de supermercados e grandes lojas. O problema destas etiquetas é que, mesmo que em algumas ocasiões ofereçam uma informação verdadeira, trata-se de publicidade sem
nenhum controle por parte de organismos independentes e é a própria empresa que introduz tal denominação".
A auto-certificação é um dos principais inimigos do mercado verde, uma vez que pode induzir o consumidor a acreditar que o produto que ele está adquirindo é ecológico apenas porque carrega este rótulo. No Brasil, há inúmeros casos desses, gritantes, desde ônibus com 'ar condicionado ecológico', a 'plástico que é ecológico porque impede que se derrubem árvores' ou fios elétricos 'ecológicos' cuja logomarca é uma florzinha estilizada com o cabo elétrico. Em 99% dos casos, o termo ecológico não se justifica.
A ausência de regras claras no setor, ou melhor, a ausência de um setor que pense o mercado verde leva a essas distorções e permite que tanto pessoas bem intencionadas como autênticos charlatães criem uma cultura de ecoprodutos duvidosa. A verdade é que o consumidor não é obrigado a conhecer a verdade ‘de per si’. Ele não tem porque ser um técnico conhecedor de química, física, engenharia, arquitetura, biologia etc para avaliar o que está comprando. No entanto, ele é o objetivo final do jogo de mercado. Por isso,
para que o ecomercado possa crescer saudável, será fundamental que no Brasil surjam Selos Verdes como já existem em todo o mundo.
Esse Selo Verde não precisaria ser exclusivamente de caráter oficial. Nos EUA, o mais importante selo verde é conferido por uma entidade não governamental, a ONG Green Seal. Os selos para madeira e alimentos orgânicos também o são. É até mais importante que entidades privadas assumam esse papel, para impedir que corporações possam tentar corromper a máquina governamental para fazer valer seus interesses.
Dificuldades
Na União Européia, os parâmetros para classificação de um produto considerado ecológico são amplamente conhecidos, mas, no Brasil, o tema ainda é novidade. Algumas razões:
O país não conta com legislação para o setor. A ausência de normalização e/ou legislação
prejudica a divulgação desse fantástico mercado, uma vez que permite que a desconfiança se instale entre os consumidores, que não têm qualquer referência de confiabilidade. A ausência de regras para o setor também inibe empresários e investidores, muitos dos quais poderiam estar interessados em migrar de um produto convencional para um mais ecológico. Outra conseqüência é a falta de competitividade de produtos fabricados nessa linha hoje no Brasil, a maior parte das vezes com custo superior aos similares tradicionais. A única solução, hoje, para quem conta com 3 um produto ecológico e deseja promovê-lo de maneira séria no mercado é realizar testes em instituições de renome, apresentando laudos que tragam credibilidade ao mesmo.
Na Europa, há mais de oito Selos Verdes no continente, sendo que o mais antigo e de maior credibilidade é o Anjo Azul alemão. No Brasil, há apenas dois segmentos que contam com certificação, ambos para produtos de origem vegetal. Um (cronologicamente o primeiro do país) é o da agricultura orgânica, cuja instituição mais renomada é o IBD (Instituto Biodinâmico), que certifica produtos orgânicos nas áreas agrícola e pecuária; o outro é o madeireiro, através do Conselho de Manejo Florestal (FSC – Forest Stewardship Council), que certifica florestas plantadas com plano de manejo sustentável.
Considerar empresas certificadas pelas normas ISO 14001 como sendo fabricantes de produtos ecológicos ou como sendo elas mesmas "ecológicas" por deterem essa certificação é um grave equívoco e gera confusão no mercado. Na verdade, as normas ambientais vigentes não garantem que uma empresa não seja poluidora, mas sim que a mesma busque soluções para seus resíduos e documente todas as ações que possam interferir com o meio ambiente.
Para grande parte dos consumidores, a imagem do produto ecológico ainda está associada a artesanato com matérias-primas naturais, quase sempre com custo elevado e produção escassa.
Uma das tarefas prioritárias para quem está ou estará ingressando neste mercado é mostrar as vantagens dos ecoprodutos, como preço, qualidade, durabilidade e constância na fabricação do produto.
As próprias empresas que fabricam produtos ecológicos e reciclados ainda não realizam um marketing adequado a partir desse diferencial. No entanto, já há centenas desses produtos espalhados pelo mercado, sem que seu valor seja devidamente reconhecido.
Critérios de Sustentabilidade
Para que um produto pudesse receber a tarja de ecológico, todos os processos produtivos deveriam ser ambientalmente adequados e sua comprovação deveria ser atestada por uma entidade independente. A empresa deveria planejar o produto em todo seu ciclo de vida. Essas medidas afetariam não apenas a empresa, mas também seus fornecedores e consumidores, em suma, todos os elos da cadeia produtiva.
Como o Brasil ainda engatinha nesse sentido e a implantação desses procedimentos está ao alcance apenas de empresas geralmente comandadas por empresários idealistas, a solução proposta pelo IDHEA é classificar e certificar produtos em categorias que podem ser as seguintes: Produto Recomendado (Ecológico e Tecnologias Sustentáveis), Produto Correto (Reciclados e que mesclem matérias-primas naturais a sintéticas) e Produto Aceitável (de Baixo Impacto Ambiental, isto é, a opção menos pior em termos ambientais). Essa estratificação não é aleatória, mas uma adaptação de parâmetros que já são aplicados na União Européia.
Esses indicadores serviriam para mostrar o desempenho sustentável de cada ecoproduto, cuja classificação pode ser redefindida à medida em que seus componentes e processos empregados para sua elaboração se aproximem da excelência.
As empresas ganhariam pontos junto ao consumidor e ao mercado, reduziriam custos oriundos da insalubridade no uso de materiais agressivos à saúde e meio ambiente e, caso houvesse envolvimento do governo, poderiam receber incentivos fiscais –algo semelhante à Lei Rouanet para a cultura- ou mesmo crédito mais fácil. Outra opção de benefício seria tributar menos ou não tributar produtos reciclados, cuja matéria-prima seria tributada apenas uma vez, quando virgem.
Esse tipo de certificação forneceria parâmetros de credibilidade para esses novos produtos, criando um mercado verde forte e consistente, contribuindo para a construção de uma sociedade sustentável. Além dos produtos, toda uma série de novos serviços –como redes de lojas verdes e publicidade verde- teria espaço para crescer.
4 Adotar uma política favorável ao mercado de produtos ecológicos é uma prova de que as necessidades do homem moderno podem ser conciliadas com o uso dos recursos naturais e que a ecologia, mais do que um conceito ou peça de marketing, também é um fator de cidadania.
*Artigo por Márcio Araújo, consultor e diretor do IDHEA – Instituto para o Desenvolvimento da Habitação Ecológica, www.IDHEA.com.br; marcio@IDHEA.com.br.