quinta-feira, 19 de março de 2015

Desnutrição em Crianças Veganas?

Dr George Guimarães, nutricionista especializado em dietas vegetarianas
Junho de 2007
www.nutriveg.com.br


No mês de maio de 2007, um casal norte-americano que seguia uma dieta vegana foi condenado pela morte de um bebê de 3 meses por tê-lo alimentado apenas com leite de soja e suco de maçã, privando-o do leite materno, essencial para qualquer recém-nascido independente das escolhas alimentares de seus pais. Sendo os pais são vegetarianos, onívoros, crudívoros, ou se a criança será vegetariana no futuro, nenhuma dessas escolhas descarta a necessidade do leite materno ou, na impossibilidade deste, a sua substituição por uma fórmula apropriada.


Apesar da morte da criança ter sido conseqüência da irresponsabilidade e desinformação dos pais, e não conseqüência da dieta vegana em si, foram muitas as críticas ao veganismo geradas a partir do fato. A repercussão na mídia brasileira foi bem-informada, graças à pesquisa adequada feita pelos jornalistas que escreveram os textos que trataram do assunto. Já dentre as repercussões negativas e desinformadas, a mais severa foi sem dúvida a carta ao editor publicada no dia 21 de maio e 2007 no jornal norte-americano The New York Times. No texto, a autora Nina Planck basicamente acusa de serem irresponsáveis TODOS os pais que oferecem uma dieta vegana aos seus filhos.


Semanalmente, eu atendo em meu consultório crianças vegetarianas e veganas. Acrescido do convívio com a comunidade vegetariana fora do consultório, eu posso dizer que já tive a oportunidade de conhecer dezenas destas adoráveis criaturas. Eu mesmo sou pai de duas delas, que se alimentam dessa forma desde o nascimento. Uma criança tem tanta possibilidade de seguir uma dieta vegetariana ou vegana quanto um adulto. Isto é fato já bem esclarecido.


Por que será então que a Sra. Nina Planck teria escrito um texto que afirma que aqueles que desejam criar os seus filhos com uma dieta vegana são irresponsáveis? A dieta vegana é certamente mais compassiva, ensinando desde cedo às crianças hábitos diários que estão imbuídos de respeito ao planeta e às outras formas de vida que nele habitam. Também sabemos que ela é cientificamente viável, já que associações dietéticas (não-vegetarianas) internacionais aprovam a dieta vegetariana e vegana para qualquer fase da vida, desde que bem planejadas. Não podemos deixar de notar também que uma dieta vegana é muito mais saudável que a dieta típica ocidental, repleta de gordura saturada, colesterol, alimentos refinados e pobre em fibras. Por que então os irresponsáveis são os pais veganos?


Mais do que se perguntar o que motivou a autora a escrever tal texto (podemos aceitar que as pessoas tenham uma opinião desinformada), devemos nos perguntar por que um jornal de tamanho alcance não se dignou a apurar minimamente a veracidade das informações antes de publicá-las. O fato da Sra. Nina Planck ter sido a única pessoa a ter obtido espaço para um comentário sobre o tema trágico da morte desta criança no jornal em questão nos diz algo a respeito do viés de seus editores, mas eu não tenho a resposta a esta pergunta. Já sobre a pergunta que abre este parágrafo, há uma boa dica: a Sra. Nina Planck está ligada à Weston Price Foundation, um grupo lobista que se aventura em campanhas contra a soja e contra o veganismo, além de militar em campanhas pró-carne e pró-laticínios.


Conforme o veganismo e o vegetarianismo ganham mais espaço, devemos estar cada vez mais atentos às pressões que nós vegetarianos temos que enfrentar, seja como indivíduos ou seja como movimento. Isto é de certa forma um reconhecimento à força que já conquistamos, um bom sinal de que estamos causando a preocupação daqueles que lucram com a indústria do sofrimento, na maioria das vezes desinteressados em ver difundidos os hábitos de vida mais saudáveis que desviam o dinheiro de suas indústrias na medida em que promovem outras.


Nessa batalha, a nossa principal arma é a informação. Para combatermos mitos e desinformação é necessário não apenas organização, é necessário estarmos bem informados! Sem estarem com a razão, são usados argumentos falhos por aqueles que buscam a todo custo iludir a população sobre a suposta inviabilidade da dieta vegetariana ou vegana. Apesar de falhos, estes argumentos conseguem boa inserção na sociedade por meio da mídia, que é justamente onde precisamos estar atentos. A informação científica sobre o tema é clara: uma dieta vegana infantil, com o devido planejamento, é perfeitamente viável.


Podemos criar uma criança com uma dieta vegana desde o nascimento? Sim, com o devido planejamento nutricional, podemos. Note-se que planejamento nutricional é essencial para qualquer estilo alimentar, não sendo esta necessidade um sinal negativo em relação ao veganismo. Para começar, as crianças veganas devem receber aleitamento materno até os seis meses de idade. Se por ventura isto não for possível, apenas fórmulas infantis industrializadas, adequadas a esta fase da vida, devem ser oferecidas ao recém-nascido. A partir do início da alimentação sólida, os nutrientes que merecem atenção em uma dieta vegana infantil são a vitamina B12 (encontrada em alimentos fortificados ou suplementos), o ômega-3 (encontrado no óleo de linhaça), a proteína (encontrada nas leguminosas e nas castanhas), o ferro (abundante nas frutas, vegetais verde-escuros, no melado-de-cana, nas castanhas e nas leguminosas) e o cálcio (encontrado nas mesmas fontes de ferro, basicamente).


Outro ponto importante é a ingestão calórica. Como os vegetais contêm mais água e mais fibras, a saciedade oferecida por uma dieta isenta de produtos de origem animal é maior e com isso a ingestão calórica pode acabar sendo demasiadamente reduzida. O segredo é incluir na dieta os alimentos vegetais mais calóricos (como as castanhas, por exemplo) e não exagerar nas fibras, devendo ser excluídos da dieta vegetariana infantil os farelos e outras fibras adicionadas. Isto garante que a saciedade será acompanhada uma boa densidade calórica e nutricional.


Os estudos científicos apontam que a dieta vegana infantil é não apenas possível, mas também muito saudável. Enquanto os pais de crianças vegetarianas devem buscar a informação e orientação adequadas para auxiliá-los no planejamento nutricional de seus filhos, eles devem ao mesmo tempo procurar manterem-se refratários às opiniões baseadas em mitos populares ou interesses daqueles que lucram perdendo de vista a saúde da população.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Farinhas enriquecidas com ferro e ácido fólico e a dieta vegetariana: esclarecendo o mito

 

Dr George Guimarães, nutricionista especializado em dietas vegetarianas
Março de 2006
www.nutriveg.com.br


Histórico
Em 2002 a Anvisa publicou a Consulta Pública número 51 prevendo a fortificação de farinhas de trigo e milho com ácido fólico, que teria por objetivo prevenir a má formação do tubo neural (estrutura precursora do cérebro e da medula espinhal) no feto.
Estudos demonstraram que 70% dos casos de defeitos do tubo neural podem ser evitados com a suplementação do ácido fólico. A vitamina é encontrada em vegetais verde-escuros, frutas cítricas e cereais, além de produtos animais como fígado e carnes em geral.
Além do ácido fólico, a proposta da Anvisa também especificava a adição de ferro à farinha com a finalidade de prevenir a anemia ferropriva, o que já havia sido proposto em outra Consulta pública no ano anterior. A justificativa é que, segundo o Ministério da Saúde, 45% das crianças de até cinco anos (cerca de 10 milhões de pessoas) tenham algum grau de anemia.


A Consulta Pública foi adiante e virou legislação. Hoje, todas as farinhas de trigo e milho, com exceção por limitações de processamento tecnológico de algumas formas dessas farinhas, são fortificadas com as substâncias. Para a indústria, o custo da fortificação da farinha é muito baixo.


Boatos na comunidade vegetariana
A questão que passou a ser levantada pela comunidade vegetariana (em especial a vegana) pode ser sumarizada pelo seguinte trecho de uma mensagem recebida: “Fiquei sabendo da lei que aprovaram dos alimentos serem enriquecidos com ácido fólico e ferro, e isso é obtido da hemoglobina, pelo que sei. Se você puder me informar se tem marcas [defarinhas] que usam formas sintéticas de obter isso, agradeço.


A partir desse tipo de mal-entendido, alguns indivíduos deixam de consumir qualquer alimento que tenha sido preparado com farinhas de trigo ou milho, mas na verdade essas farinhas não são fortificadas com compostos de origem animal.


Fatos e esclarecimentos
A Anvisa determinou que poderiam ser utilizados na fortificação os seguintes compostos:sulfato ferroso desidratado (seco); fumarato ferroso; ferro reduzido – 325 mesh Tyler; ferro eletrolítico – 325 mesh Tyler; EDTA de ferro e sódio (NaFeEDTA) e ferro bisglicina quelato. Outros compostos podem ser usados desde que atendam a no mínimo o mesmo nível de biodisponibilidade dos compostos acima citados.


Todos os compostos utilizados na fortificação são de origem química ou sintética. O ferrooriundo da hemoglobina (animal) chegou a ser considerado para a fortificação, mas foi desqualificado devido ao risco da presença de contaminantes. Também o custo do composto de origem mineral é inferior. Para chegar a essa conclusão, basta fazer uma reflexão sobre a logística que seria necessária para colher, transportar, armazenar, processar e controlar o sangue obtido de frigoríficos. Os compostos minerais são mais facilmente controlados e processados e por isso nenhuma indústria optou pelos compostos oriundos de produtos animais.


A nutriVeg Consultoria em Nutrição Vegetariana contatou algumas das indústrias químicas que fornecem a matéria-prima às indústrias alimentícias e obteve algumas respostas esclarecedoras. Seguem abaixo alguns trechos dessas respostas.


Albion: …utilizamos o ferro aminoácido quelato que apresenta uma estrutura similar à estrutura da hemoglobina ... porém não é utilizada nenhuma fonte animal, sendo inclusive certificado como Kosher Parve e isento de organismos geneticamente modificados.

Mcassab: “Informamos que não são utilizados derivados de hemoglobina animal em fortificação de farinhas. Geralmente usa-se ferro reduzido ou sulfato de ferro.


Roche: “Informamos que os sais de ferro que temos em nossas formulações são minerais inorgânicos.


As exigências da legislação e as respostas das indústrias químicas são bastante claras e objetivas e não deixam dúvida. É possível afirmar com toda certeza que a fortificação de farinhas com ferro e ácido fólico não envolve no Brasil a utilização de produtos de origem animal.


Intervenções em saúde pública para vegetarianos e veganos
Enquanto os vegetarianos e especialmente os veganos poderiam beneficiar-se mais da fortificação de alimentos com a vitamina B12 ao invés do ácido fólico, há justificativas de saúde pública para a fortificação de farinhas com os compostos previstos nesta legislação, apesar da prática também ser passível de contestação.


A existência de questões como “todos devem ser submetidos à fortificação com ferro e ácido fólico quando muitos não necessitariam dessas substâncias adicionadas?” sempre será um dilema interminável em saúde pública, pois nessa área as intervenções nem sempre (ou raramente) beneficiam a todos. Alguns irão comemorar os benefícios da adição do mineral e da vitamina às farinhas, pois esses são de fato carentes em determinados estratos populacionais, enquanto outros irão argumentar que o consumo excessivo de ferro é nocivo aos que já têm ingestão e níveis normais do mineral, e assim por diante.


A intervenção correta seria uma pontuada, que oferecesse o nutriente carente especificamente às populações carentes no nutriente e apenas a essas. Mas isso é uma utopia no nosso modelo social atual. Os veganos, que se beneficiariam da fortificação de alimentos com a vitamina B12 poderão um dia comemorar a implementação de uma estratégia ampla nesse sentido, enquanto outros grupos poderão criticar a iniciativa. Aliás, a deficiência de vitamina B12 também tem uma importante correlação positiva com a incidência de má formação do tubo neural, motivo que justificou a fortificação com o ácido fólico, mas olvidou o papel conjunto da vitamina B12 pelo fato de essa estar presente em abundância nos produtos de origem animal e por isso não necessitava ser suplementada à população.


Vegetarianos e veganos podem ficar tranqüilos com relação ao assunto da fortificação de farinhas com ferro e ácido fólico, uma vez que é claro que no Brasil o processo não envolve o uso de produtos animais.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Na Estrada, na Rua, no Trabalho...

 

Dr George Guimarães, nutricionista especializado em dietas vegetarianas
Dezembro de 2007

www.nutriveg.com.br


Ser vegetariano em um mundo não vegetariano pode não ser das tarefas mais fáceis, mas também não significa que seja impossível. Sabemos que a qualidade da nossa alimentação afeta diretamente a nossa saúde e por isso devemos dar a importância devida ao cuidado com a alimentação em situações desfavoráveis. Algumas destas situações são cotidianas e por isso acabam sendo aceitas como parte da rotina diária. Outras acontecem apenas quando saímos da rotina habitual, como no caso de viagens, por exemplo. Com o planejamento adequado e algumas soluções simples, é possível contornar estas situações sem colocar em risco o equilíbrio nutricional e a saúde.


Por mais que não se possam prever todas as variáveis em situações desfavoráveis, há algumas soluções que nos dão a possibilidade de nos ajustarmos às circunstâncias. O primeiro passo é ter alguns alimentos chave sempre à mão. Esses alimentos são aqueles que são ao mesmo tempo altamente nutritivos e fáceis de serem transportados. As frutas secas, as castanhas, as bolachas integrais e o tahine (pasta de gergelim) são alguns exemplos.


Em uma situação de viagem, pesquisar sobre o destino, avaliando os hábitos alimentares locais, a presença de lojas de produtos naturais e o acesso a mercados, mesmo os que não forem especializados, é sempre muito importante. O pior cenário é aquele onde você não pode ter acesso sequer a um mercado que ofereça alimentos simples pão integral ou frutas. Numa hipótese mais otimista, há ainda a possibilidade de encontrar alguns alimentos mais peculiares, como os integrais, pastas, sucos, bolachas, etc. Seja qual for o caso, é importante saber o que encontrará em sua jornada.


Caso a cozinha do local onde você se hospedará no seu destino possa receber um pedido especial, preparado com ingredientes que você mesmo levará, é uma boa idéia levar consigo arroz integral, proteína de soja e um macarrão de cozimento rápido (como o macarrão de arroz, por exemplo). Todos muito fáceis de serem transportados e preparados, e que poderão ajudar a salvar algumas refeições. Complete com o tahine ou as castanhas e o prato-feito de peixe que acompanha feijão com toucinho, ou o riquíssimo buffet do hotel composto exclusivamente por carnes exóticas e frutos-do-mar, não serão um impedimento à sua refeição. Na maioria das cidades brasileiras e em muitas cidades pelo mundo, encontrar frutas frescas não é problema. Algumas frutas secas acompanhadas por castanhas podem ajudar a completar uma refeição que tenha sido insatisfatória, onde tudo o que estava disponível era inadequado à sua opção alimentar.


Até mesmo nas ruas da sua própria cidade, a situação pode nem sempre ser a mais hospitaleira. Na verdade, algumas pessoas acabam enfrentando dificuldades desnecessariamente, já que se tratam de situações programadas, ou seja, são dificuldades que já se espera encontrar. Os mesmos alimentos (frutas secas, castanhas, frutas frescas) entram em ação, mas podem ainda ser somados a outros mais perecíveis ou de acesso razoavelmente fácil. Nas grandes cidades, por exemplo, sucos de frutas frescas podem ser encontrados em quase todas as padarias ou estabelecimentos afins. Se um suco de mamão, abacate e banana por si não for suficiente para completar aquela refeição que está distante de ser ideal, ele pode ser melhorado. Com um pouco de conversa e depois de alguma possível estranheza, a maioria desses estabelecimentos aceitará acrescentar o extrato de soja (“leite” de soja em pó) que você mesmo leva em sua mochila ou bolsa com a finalidade de enriquecer esta preparação, que além de rápida é também muito acessível.


Talvez o desafio esteja no refeitório da empresa onde você trabalha e que fica distante de qualquer outra fonte de alimentação. Nesse caso, vale sempre insistir e insistir novamente para que algumas preparações vegetarianas sejam inclusas no cardápio, sempre ressaltando que essas também serão de interesse para outros que não são necessariamente vegetarianos. Ainda que você consiga isso, ou especialmente se a sua solicitação falhar em ser atendida, você pode ter guardados na empresa um pote de tahine e outros dos alimentos ricos já citados, além de poder levar consigo algumas preparações que são fáceis de serem executadas em casa, como por exemplo um sanduíche de pão integral recheado com tofu, tahine e vegetais frescos. Apesar de simples, essa preparação é muito nutritiva.


Muitos vegetarianos encontram dificuldades mesmo em casa. Quando o desafio reside na falta de idéias ou de habilidade, uma boa pesquisa ou a participação em um curso de culinária vegetariana são iniciativas importantes. Quando o desafio está no tempo disponível para se dedicar à cozinha, voltamos a recorrer aos nossos alimentos ricos. A lista em casa se amplia, já que a possibilidade de armazenamento é diferente do que quando se está na rua ou na estrada. O exemplo do sanduíche preparado em casa e levado ao trabalho já mostra a inclusão de um novo alimento rico, que é o tofu. Além de muito nutritivo, ele é também muito rápido de ser preparado. Havendo o planejamento adequado com a rotina para a compra (o prazo de validade é curto), o tofu pode estar sempre à mão para ser transformado em bifes, cubos, pastas, patês, molhos, recheios e tantas outras possibilidades. Além do sanduíche de tofu com tahine, uma outra solução de preparação rápida e nutritiva para ser feita em casa é uma massa integral com molho de tomate enriquecido com tahine e acrescido de cubinhos de tofu e castanhas. O tempo de preparação é de cerca de 10 minutos, bastando cozinhar a massa integral enquanto todo o restante é misturado ao molho.


Alguns alimentos são muito práticos e úteis para salvar uma ou mais refeições, mas é a variedade alimentar e o planejamento cotidiano que nos garantem o equilíbrio nutricional na dieta vegetariana. A presente discussão focou em alguns alimentos chave. No entanto, mesmo diante de situações adversas, não devemos perder de vista que as refeições devem ser complementadas usando de toda a magnífica variedade proporcionada pelos alimentos vegetais.