domingo, 15 de setembro de 2013

Produtos ecológicos para uma sociedade sustentável


por Márcio Augusto Araújo*


Um dos mercados de maior potencial neste século é o de produtos ecológicos voltados ao consumidor final. Sem deixar nada a desejar aos outros dois grandes nichos do século –a informática e a biotecnologia-, esse é um mercado ainda pouco ou quase nada explorado no Brasil e América do Sul, embora já seja uma realidade na União Européia e Oceania (Austrália e Nova Zelândia), onde a força e consciência ambiental dos consumidores já fazem parte da cidadania daqueles povos.


No Brasil, quando se fala em produto ecológico, quase sempre vem à mente a idéia de artefatos elaborados artesanalmente com matériasprimas naturais ou, em âmbito empresarial, de equipamentos e sistemas para controle de emissão de poluentes, tratamento de efluentes e resíduos industriais. Para o consumidor final, contudo, o conhecimento do que seja um produto ecológico comercial para seu uso ainda é algo
distante.


Produto ecológico é todo artigo que, artesanal, manufaturado ou industrializado, de uso pessoal, alimentar, residencial, comercial, agrícola e industrial, seja não-poluente, não-tóxico, notadamente benéfico ao meio ambiente e à saúde, contribuindo para o desenvolvimento de um modelo econômico e social sustentável.

Exemplos
O uso de matérias-primas naturais renováveis, obtidas de maneira sustentável ou por biotecnologia não-transgênica, bem como a reciclagem de matérias-primas sintéticas por processos tecnológicos limpos (sem a emissão de poluentes e sem o uso de insumos agressivos) permitem classificar um produto a partir de critérios ambientais. Para exemplificar, alimentos orgânicos são produtos ecológicos, como também o são roupas de algodão orgânico, de juta (fibra vegetal) e couro vegetal (emborrachado de látex imitando o couro); cosméticos não-testados em animais; produtos de limpeza biológicos, inseticidas biológicos, roupas de PET reciclado ou de hemp industrial, adesivos à base de óleos vegetais, tintas à base de silicato de potássio ou caseína de leite, plásticos biodegradáveis, chapas de plástico reciclado, telhas recicladas, combustível vegetal (biodiesel), biogás, tijolos de solo-cimento e muito outros, que podem ser incorporados ao cotidiano de qualquer cidadão.


Equipamentos energeticamente eficientes, não-poluentes, que utilizem tecnologias limpas ou renováveis (como sistemas de energia eólica, solar, para conversão de biomassa em energia e microusinas) também são sustentáveis, uma vez que são capazes de atender a demanda por energia, sem esgotar os recursos naturais ou alterar drasticamente a geografia dos ecossistemas.

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Por uma política econômica verde

A proposta do IDHEA – Instituto para o Desenvolvimento da Habitação Ecológica ao mercado brasileiro é o desenvolvimento e a fabricação de ecoprodutos em larga escala voltados ao consumidor final, como forma de colocar em prática o desenvolvimento sustentável e reverter o quadro de devastação ambiental e de esgotamento dos recursos naturais, que ocorrem para atender à demanda das sociedades urbanas.


O produto ecológico é capaz de despertar a consciência eco-social da comunidade e educar
ambientalmente quem o produz e quem o consome. O Brasil é o país mais rico do mundo em matériasprimas naturais renováveis (mais de 20% da biodiversidade planetária), tem um lixo abundante e ainda pouco aproveitado (245 mil toneladas/dia), além de milhões de toneladas de residuos agrícolas e industriais sem qualquer uso. Em suma, o país reúne todas as condições para ser um verdadeiro celeiro de ecoprodutos e materiais reciclados, gerando emprego e levando cidadania a milhões de pessoas, tornando-se um modelo de sustentabilidade para outras nações. Tecnologia, know-how e criatividade não faltam para isso.


Com incentivos e política adequada, esses produtos poderiam ser exportados para mercados ávidos por artigos verdes como o europeu, australiano e muitos outros. Hoje, artigos brasileiros já são exportados para a Europa, assim como ecoprodutos alimentícios, casos da soja e açaí orgânicos. Organismos governamentais divulgaram a cifra de US$ 6 bilhões anuais movimentados na Europa apenas com produtos orgânicos. Com uma política específica para o mercado verde brasileiro, o país poderia tornar-se um pólo de indústrias verdes ou sustentáveis, tornando-se exportador de bens de consumo, gerando divisas, emprego e renda de forma inteligente, já que seriam retiradas milhões de toneladas de resíduos que contaminam o meio ambiente, roubam espaço e agridem a saúde dos seres vivos.


Se, ao invés de estimular indústrias poluentes como a automobilística movida a petróleo, que recebe milhões em incentivos de toda ordem, houvesse uma política de crédito e ICMS verde, de apoio a projetos comunitários, micro e pequenos empreendimentos, o Brasil poderia contar, em pouco tempo, com um parque industrial sustentável inédito, rompendo a mofina dependência tecnológica que escraviza as nações em desenvolvimento.


Mercado interno


O próprio mercado interno brasileiro dispõe de consideráveis nichos de consumo e poder aquisitivo para ecoprodutos, como nas áreas de energia elétrica -com o uso de fontes geradoras de energia limpa, como a solar e eólica. O Brasil só conta com uma indústria nacional fabricante de painéis solares fotovoltaicos.


Outro segmento que conta com potencial imenso é o da construção civil, capaz de absorver inúmeras inovações e resíduos disponíveis na forma de novos materiais (escórias, resíduos agrícolas).

Outra área de imenso potencial para o crescimento de empresas com produtos sustentáveis é a de saneamento. O Censo do IBGE 2002 mostrou que cerca de 50% dos municípios brasileiros não possuem tratamento de água e esgoto. Essa necessidade poderia ser atendida pelo setor privado através do fornecimento de mini-estações de tratamento, que, além de resolverem um dos principais problemas da saúde pública no Brasil (70% das enfermidades têm origem em água e esgoto não tratados), permitiriam
que a água fosse reutilizada no próprio local, reduzindo gastos com grandes estações de tratamento (ETEs) e gerando grande economia para moradores e municípios, contribuindo, também, para a descontaminação de corpos dágua e lençóis freáticos. Haveria economia de impostos, gastos com obras e seria uma ação educativa, ensinando à população o valor de tratar a água e reusá-la no próprio local.

Para garantir que as empresas privadas oferecessem equipamentos, produtos e serviços de qualidade, o poder público poderia criar agências reguladoras com perfil técnico para impedir abusos e garantir qualidade de conformidade com as normas que regeriam o setor.

Identificação e classificação dos ecoprodutos

O conceito de produto ecológico ou ecoproduto ainda é uma nebulosa para a maior parte dos consumidores brasileiros. Como evidenciar que um produto é realmente ecológico ou que é mais ou menos ecológico do que outro? Como saber que não se está "comprando gato por lebre"?

A forma mais segura de identificação para o consumidor é a partir dos Selos Verdes, como os que já existem na União Européia, Japão, Estados Unidos, Austrália e mesmo em países vizinhos como a Colômbia, que já conta com política oficial nesse sentido. O Selo Verde não é apenas uma logomarca ou um rótulo com a palavra "ecológico" na embalagem de um produto, mas o resultado de uma avaliação técnica criteriosa, na qual serão levados em conta aspectos pertinentes ao seu ciclo de vida, como matérias-primas (natureza e obtenção), insumos, processo produtivo (gastos de energia, emissão de poluentes, uso de agua), usos e descarte. No Brasil, os selos verdes existentes só atingem dois segmentos: produtos orgânicos (alimentícios) e madeira.

Um artigo publicado recentemente em uma revista especializada na Espanha analisa o seguinte: (...) "as pseudo-etiquetas ecológicas começaram a aflorar há alguns anos, quando muitos fabricantes viram a possibilidade do negócio verde. Marcas como 'amigo do ozônio' podiam ser lidas em muitos dos produtos que se encontravam nas prateleiras de supermercados e grandes lojas. O problema destas etiquetas é que, mesmo que em algumas ocasiões ofereçam uma informação verdadeira, trata-se de publicidade sem
nenhum controle por parte de organismos independentes e é a própria empresa que introduz tal denominação".

A auto-certificação é um dos principais inimigos do mercado verde, uma vez que pode induzir o consumidor a acreditar que o produto que ele está adquirindo é ecológico apenas porque carrega este rótulo. No Brasil, há inúmeros casos desses, gritantes, desde ônibus com 'ar condicionado ecológico', a 'plástico que é ecológico porque impede que se derrubem árvores' ou fios elétricos 'ecológicos' cuja logomarca é uma florzinha estilizada com o cabo elétrico. Em 99% dos casos, o termo ecológico não se justifica.


A ausência de regras claras no setor, ou melhor, a ausência de um setor que pense o mercado verde leva a essas distorções e permite que tanto pessoas bem intencionadas como autênticos charlatães criem uma cultura de ecoprodutos duvidosa. A verdade é que o consumidor não é obrigado a conhecer a verdade ‘de per si’. Ele não tem porque ser um técnico conhecedor de química, física, engenharia, arquitetura, biologia etc para avaliar o que está comprando. No entanto, ele é o objetivo final do jogo de mercado. Por isso,
para que o ecomercado possa crescer saudável, será fundamental que no Brasil surjam Selos Verdes como já existem em todo o mundo.

Esse Selo Verde não precisaria ser exclusivamente de caráter oficial. Nos EUA, o mais importante selo verde é conferido por uma entidade não governamental, a ONG Green Seal. Os selos para madeira e alimentos orgânicos também o são. É até mais importante que entidades privadas assumam esse papel, para impedir que corporações possam tentar corromper a máquina governamental para fazer valer seus interesses.

Dificuldades


Na União Européia, os parâmetros para classificação de um produto considerado ecológico são amplamente conhecidos, mas, no Brasil, o tema ainda é novidade. Algumas razões:
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O país não conta com legislação para o setor. A ausência de normalização e/ou legislação
prejudica a divulgação desse fantástico mercado, uma vez que permite que a desconfiança se instale entre os consumidores, que não têm qualquer referência de confiabilidade. A ausência de regras para o setor também inibe empresários e investidores, muitos dos quais poderiam estar interessados em migrar de um produto convencional para um mais ecológico. Outra conseqüência é a falta de competitividade de produtos fabricados nessa linha hoje no Brasil, a maior parte das vezes com custo superior aos similares tradicionais. A única solução, hoje, para quem conta com 3 um produto ecológico e deseja promovê-lo de maneira séria no mercado é realizar testes em instituições de renome, apresentando laudos que tragam credibilidade ao mesmo.
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Na Europa, há mais de oito Selos Verdes no continente, sendo que o mais antigo e de maior credibilidade é o Anjo Azul alemão. No Brasil, há apenas dois segmentos que contam com certificação, ambos para produtos de origem vegetal. Um (cronologicamente o primeiro do país) é o da agricultura orgânica, cuja instituição mais renomada é o IBD (Instituto Biodinâmico), que certifica produtos orgânicos nas áreas agrícola e pecuária; o outro é o madeireiro, através do Conselho de Manejo Florestal (FSC – Forest Stewardship Council), que certifica florestas plantadas com plano de manejo sustentável.
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Considerar empresas certificadas pelas normas ISO 14001 como sendo fabricantes de produtos ecológicos ou como sendo elas mesmas "ecológicas" por deterem essa certificação é um grave equívoco e gera confusão no mercado. Na verdade, as normas ambientais vigentes não garantem que uma empresa não seja poluidora, mas sim que a mesma busque soluções para seus resíduos e documente todas as ações que possam interferir com o meio ambiente.
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Para grande parte dos consumidores, a imagem do produto ecológico ainda está associada a artesanato com matérias-primas naturais, quase sempre com custo elevado e produção escassa.

Uma das tarefas prioritárias para quem está ou estará ingressando neste mercado é mostrar as vantagens dos ecoprodutos, como preço, qualidade, durabilidade e constância na fabricação do produto.
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As próprias empresas que fabricam produtos ecológicos e reciclados ainda não realizam um marketing adequado a partir desse diferencial. No entanto, já há centenas desses produtos espalhados pelo mercado, sem que seu valor seja devidamente reconhecido.

Critérios de Sustentabilidade

Para que um produto pudesse receber a tarja de ecológico, todos os processos produtivos deveriam ser ambientalmente adequados e sua comprovação deveria ser atestada por uma entidade independente. A empresa deveria planejar o produto em todo seu ciclo de vida. Essas medidas afetariam não apenas a empresa, mas também seus fornecedores e consumidores, em suma, todos os elos da cadeia produtiva.

Como o Brasil ainda engatinha nesse sentido e a implantação desses procedimentos está ao alcance apenas de empresas geralmente comandadas por empresários idealistas, a solução proposta pelo IDHEA é classificar e certificar produtos em categorias que podem ser as seguintes: Produto Recomendado (Ecológico e Tecnologias Sustentáveis), Produto Correto (Reciclados e que mesclem matérias-primas naturais a sintéticas) e Produto Aceitável (de Baixo Impacto Ambiental, isto é, a opção menos pior em termos ambientais). Essa estratificação não é aleatória, mas uma adaptação de parâmetros que já são aplicados na União Européia.

Esses indicadores serviriam para mostrar o desempenho sustentável de cada ecoproduto, cuja classificação pode ser redefindida à medida em que seus componentes e processos empregados para sua elaboração se aproximem da excelência.


As empresas ganhariam pontos junto ao consumidor e ao mercado, reduziriam custos oriundos da insalubridade no uso de materiais agressivos à saúde e meio ambiente e, caso houvesse envolvimento do governo, poderiam receber incentivos fiscais –algo semelhante à Lei Rouanet para a cultura- ou mesmo crédito mais fácil. Outra opção de benefício seria tributar menos ou não tributar produtos reciclados, cuja matéria-prima seria tributada apenas uma vez, quando virgem.

Esse tipo de certificação forneceria parâmetros de credibilidade para esses novos produtos, criando um mercado verde forte e consistente, contribuindo para a construção de uma sociedade sustentável. Além dos produtos, toda uma série de novos serviços –como redes de lojas verdes e publicidade verde- teria espaço para crescer.


4 Adotar uma política favorável ao mercado de produtos ecológicos é uma prova de que as necessidades do homem moderno podem ser conciliadas com o uso dos recursos naturais e que a ecologia, mais do que um conceito ou peça de marketing, também é um fator de cidadania.


*Artigo por Márcio Araújo, consultor e diretor do IDHEA – Instituto para o Desenvolvimento da Habitação Ecológica, www.IDHEA.com.br; marcio@IDHEA.com.br.

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